quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Boca-do-povo e boca-do-lixo: A eliminação de Ariadna


Consta na classificação internacional de doenças, a CID-10, o transtorno de identidade de gênero, quando um indivíduo nasce com a genitália de um sexo, mas sua identidade sexual é a do sexo oposto. O assunto nunca foi mostrado com profundidade pelo horário nobre da TV aberta, talvez por isso a repercussão no país depois que a direção do BBB saiu à procura de uma transgênero e se encantou por Ariadna.

Este caso não apenas trouxe às rodas populares um tabu que acompanha a história da sexualidade, mas foi a esperança de algo novo no BBB. Para garantir o sucesso da empreitada, a cabelereira (ou ex-prostituta, como queiram) decidiu não revelar seu segredo durante o jogo, e alguns telespectadores sádicos aprovaram. Queriam ver os rapazes musculosos atraídos pelos ferormônios da moça e atracados a ela, para que pudessem, talvez, rir deles.

Embora quem olhe para Ariadna não enxergue claramente seu cromossomo Y nem suas taxas hormonais, livrar-se da genitália avantajada que pesou no meio de suas pernas não saiu nada leve para a jovem. O país é latino demais para enxergar com naturalidade a opção consentida pela castração do falo masculino. Nascer com ele, mas recusá-lo, soa falta gravíssima à virilidade do macho brasileiro e não há uma identificação pela maioria. Fora que "ser transexual" não é suficiente para gerar um bom personagem de reality, faltam ingredientes valorosos - mas exigi-los de seres humanos geralmente tão marginalizados pela família e sociedade seria demais.

Ariadna foi rejeitada pela mãe religiosa, sofreu maus-tratos do padrasto e saiu de casa aos 14 anos para se prostituir (vender o corpo é desprezá-lo). Depois morou anos na Itália e trocou de sexo na Tailândia. A vida a tornou esperta, mas não o suficiente para perceber o que público do BBB esperava dela. As privações educacionais que sofreu e os papos despudorados tornaram-na chula demais. Nem a estratégia de suspense envolvendo seu passado, quando desviou o foco ao revelar que se prostituía, nem a escolha equivocada de dois homossexuais de caráter duvidoso para compartilhar seu passado a salvaram.

A questão-chave que definiu a permanência de Ariadna no BBB foi o direito de não revelar ao público que é trangênero. Como numa amostra fechada da realidade, a candidata decidiu compartilhar com os telespectadores sua angústia em passar despercebida como mulher plena e, com exceção de dois gays, passou. Mas sua escolha se transformou em cilada, porque os espectadores do BBB não se sentem meramente expectadores, são PARTE do programa. E como participante, a maioria se viu enganada, e tratou logo de enxergá-la apenas como uma candidata a vilã vulgar que deseja vingar-se do mundo por razões diversas, e que escolheu como vítimas seus concorrentes do BBB e como testemunha o público do programa.

Ao que parece, Ariadna quis apenas preservar-se do desprezo e das brincadeiras de mau-gosto, que de fato aconteceram impiedosamente após sua saída. Mas a família brasileira precisou de um motivo para eliminá-la de sua sala antes que as crianças se encantassem por ela, por isso acreditaram que ela "mentiu" e deveria ser expulsa por isto. Antes de ouvir o belo texto de eliminação de Bial sobre sereias, a figura mitológica relacionada aos transgêneros, Ariadna sonhava com a fama e o quadro que ganhará na TV. Sonhe! Você tem direito de ser mulher e de sair da boca-do-lixo. Só não vai sair da boca do povo.

Um comentário:

Terê. disse...

bem sei, não será o marcelo que irar ler comentarios, ok! porém vou deixar minha opinião, achei um lindo texto, corretissimo. a moça se traiu. que pena, pois seria uma oportunidade de se promover. esse e o objetijo do jogo, alem de ganhar dim,dim... tere.